Podcast: o futebol do futuro, com George Nassis

Portugal Football School

Professor e investigador grego foi um dos oradores na conferência internacional “Ciência e Futebol”, da Portugal Football School.

De acordo com os dados hoje disponíveis, é possível prever que o futebol do futuro será (ainda) mais rápido, intenso e exigente. Esta previsão torna premente a discussão sobre a prevenção de lesões e os limites do esforço possível por parte dos jogadores.

A ciência - diz este reputado investigador que criou, por exemplo, o laboratório de performance do Panathinaikos – deve produzir soluções para os treinadores e os jogadores nestas áreas e a comunicação entre as partes é absolutamente vital para o sucesso de todos.

George Nassis, de 56 anos, foi um dos oradores na conferência internacional “Ciência e Futebol”, que a Portugal Football School organizou a 29 e 30 de abril e reuniu na Cidade do Futebol cerca de 250 participantes.

Deu ao podcast "Ciência e Futebol", do Portugal Football Observatory, uma entrevista que pode escutar aqui ou nas principais plataformas de podcast disponíveis na web.

A entrevista em português:

Pode contar-nos um pouco do seu percurso? Como entrou no mundo das ciências do desporto e qual foi a sua motivação?
Claro. Nasci em Bruxelas, mas sou de origem grega e para nós, na Grécia, o desporto é uma questão muito importante. Participamos em desportos desde os primeiros anos de vida. Na escola secundária, quando me juntei pela primeira vez ao desporto e às atividades desportivas fora da escola, apaixonei-me pelo desporto. Embora tivesse várias oportunidades de me juntar a outros departamentos dentro da Universidade de Atenas, decidi candidatar-me ao Departamento de Educação Física e Ciências do Desporto da Universidade de Atenas, onde fui aceite após os devidos exames. Licenciei-me nesta universidade. Entrei no mundo dos treinadores, fui treinador noutros desportos, e estava sempre preocupado em como aprofundar os meus conhecimentos em ciências do desporto, por isso candidatei-me a uma bolsa de estudo. Consegui uma bolsa estatal para estudar no estrangeiro e tive muita sorte em receber uma carta de aceitação da Universidade de Loughborough, uma das melhores do mundo em ciências do desporto. Fiquei lá durante dois anos, estudei Ciências do Desporto e Fisiologia do Exercício e depois regressei à Grécia, onde completei o meu doutoramento enquanto trabalhava na área. Desde o início da minha carreira tentei sempre ligar os estudos ao mundo exterior, ao que víamos, à indústria. Após o doutoramento fui membro do corpo docente da Universidade de Atenas e tive também oportunidade, após um longo percurso no futebol e nas ciências do futebol, de me ser oferecida esta posição de líder do laboratório do Panathinaikos. Foi em 2007 e tivemos a oportunidade, com os meus talentosos colegas e o treinador, bem como a equipa principal do clube, de construir um Laboratório de Ciências Desportivas, que tentava ligar a ciência à prática no futebol. Tivemos anos de sucesso com o Panathinaikos. A equipa saiu-se muito bem. Creio que isto se deveu ao trabalho árduo dos jogadores, dos treinadores e da administração. Nós, como cientistas do desporto, tentámos contribuir e ajudar nesta história de sucesso. Recebi depois uma oferta para ir para o Catar e trabalhar na construção de uma cultura das ciências do desporto nos clubes juvenis, nos clubes do estado do Catar desde a juventude, porque a ideia nessa altura, em 2011, era como construir a futura geração para o Campeonato do Mundo, que já se esperava que fosse acolhido em 2022. Fui para o Catar e, lá, fui o responsável pelo projeto de excelência no futebol, que fazia parte do Programa Nacional de Medicina Desportiva no Aspetar, um dos mais famosos hospitais do mundo no campo da medicina desportiva. Fiquei por lá mais alguns anos, fizemos o nosso melhor a fim de reunir as ciências do desporto para os jogadores de futebol e os treinadores de futebol a partir da juventude. Tive então a oportunidade de me juntar à equipa da Equipa da China como Diretor Internacional para a equipa de Alto Desempenho para os Jogos Olímpicos. Tive novamente muita sorte na minha vida, conheci lá outro grande grupo de pessoas talentosas. Infelizmente, a COVID atingiu-nos e depois tudo mudou na nossa vida. Como sabem, a China fechou as fronteiras, pelo que foi muito difícil para as pessoas irem para lá. Depois tive esta oportunidade de me juntar à Universidade dos Emirados Árabes Unidos, onde sou professor associado e também fui delegado. Sou o Presidente do Departamento de Educação Física lá e agora estou encarregue de trazer as ciências do desporto, a educação física, para a comunidade dos Emirados Árabes Unidos. Em conclusão, acredito que no meu percurso profissional tive a oportunidade de trabalhar tanto no meio académico, desenvolver investigação, produzir investigação com os meus colegas, como também tentei trazer esta investigação para soluções práticas no campo do jogo, para a comunidade.

Na conferência da Portugal Football School falou sobre o futuro do futebol. Na sua apresentação mencionou que o futebol evoluirá para um jogo mais rápido e também que a intensidade aumentará muito. O que quis dizer exatamente?
Estamos a falar de prever o futuro e deixe-me dizer que é muito difícil prever o futuro, para ser honesto. O que estamos a tentar fazer, eu e os meus colegas, é refletir em conjunto sobre como será no futuro. Isto baseia-se no trabalho que fizemos e no trabalho que outras pessoas fizeram. A tendência dos dados mostra que teremos uma maior intensidade, uma intensidade mais elevada, que se refletirá nos jogadores durante os jogos. Assumimos que a tendência vai ser como foi nos últimos anos. Se a tendência se mantiver, acreditamos que os períodos de alta intensidade serão mais frequentes, pelo que os jogadores serão obrigados a executar mais períodos de alta intensidade. Além disso, o jogo tornar-se-á mais rápido. A partir dos dados que temos da monitorização da posição da bola, parece que a velocidade dela está a ficar cada vez mais elevada todos os anos.

Considera que existe um limite para o número de jogos?
O número de jogos está a crescer, como sabe. Creio que isto faz parte da evolução. Sei que algumas pessoas podem não se sentir confortáveis com esta ideia, mas como o futebol está a tornar-se cada vez mais popular, e agora com as exigências das pessoas, mas também com o crescimento da televisão e dos outros meios de transmissão, acredito que haverá cada vez mais procura de um calendário de jogos mais preenchido, de mais jogos. Não sei onde está o limite... Acredito que esta é a evolução do futebol e agora a questão é como preparar os nossos jogadores para o que poderá acontecer no futuro em termos, digamos, do número crescente de jogos que esperamos.

Quando os horários estão mais congestionados faz sentido abordar, por exemplo, o treino dos jogadores menos utilizados de uma forma diferente?
Essa é uma abordagem muito boa. Não sou técnico e sei que os técnicos têm mais conhecimentos sobre isso, mas creio que podemos precisar de ter um segundo plantel pronto a jogar se quisermos ter mais jogos nos próximos anos.

Existem diferenças relevantes entre os... os vários períodos saturados ao longo da época? Se pensarmos em Inglaterra, por exemplo, a época de inverno é terrível para os jogadores. As exigências são maiores entre o Natal e o Ano Novo…
Isso é o que está a acontecer na liga mais competitiva, que é a inglesa. Uma tendência que pode acontecer é termos um calendário de jogos mais exigente e preenchido por volta desse período, mas depois não o ter tanto após o período de março, diria eu, porque possivelmente a classificação na tabela já foi definida, pelo que as equipas não estão a sentir a mesma pressão da primeira metade da época. Se olharmos para a Premier League inglesa sim, os dados que temos demonstram que o Natal é um período muito, muito exigente, o pico das exigências. Agora não sabemos o que vai acontecer no próximo ano. Devemos estar prontos para mudanças, porque teremos o Campeonato do Mundo a decorrer em novembro e dezembro. Isto vai alterar o fluxo.

De que forma?
Vamos ter um período com muitos jogos para os jogadores de futebol internacionais, vamos jogar para o Campeonato do Mundo, mas o resto dos jogadores vai ter um período de exigências relativamente mais baixas e isto nunca tinha acontecido antes.

O aumento de cargas no treino e nos jogos, bem como de velocidade e intensidade, está relacionado com o risco de lesões, não está?
Correto, correto. Isso é verdade. Não é apenas o número de jogos que pode representar um maior risco de lesões. Está associado ao aumento do tempo de treino. Porque para preparar para jogar mais jogos, pode ser necessário, pelo menos durante certos períodos, aumentar o tempo de treino, a fim de os tornar mais robustos. A carga global, a carga física, está a aumentar, sim, e isto está associado a um risco acrescido de lesões.

E podemos falar aqui de limites máximos para os futebolistas?
Essa é uma questão muito boa e, infelizmente, não temos como dar normas, isto porque a ocorrência de uma lesão é multifatorial, é um fenómeno complexo. Uma lesão não acontece por causa de apenas uma variável, de um parâmetro. Podemos ter um jogador que tem uma capacidade aeróbica inferior, aptidão aeróbica, ou resistência, como dizemos, e este valor pode estar no limiar ou abaixo dos limites, mas ele ou ela pode compensar este limite porque tem uma maior capacidade noutro domínio. Portanto, a resposta, na verdade, é… não sei.

O que mais podemos fazer para prevenir lesões de alto risco?
A forma de evitar as lesões, em primeiro lugar, é a seleção. Precisamos de selecionar os mais robustos desde idades mais jovens. Atletas que são suscetíveis a lesões no início da sua carreira correm um risco mais elevado de lesões na sua carreira. Em segundo, é prepará-los logo desde a juventude. Precisamos de os preparar física e mentalmente para o jogo, e aí podemos melhorar muito. A terceira componente é trazer as ciências do desporto para mais perto do campo. Existem muitos instrumentos nas ciências do desporto que podem ser utilizados para a prevenção de lesões. Sabemos agora mais sobre como fazer o exercício mais adequado para prevenir lesões. Temos agora novas tecnologias para monitorizar os jogadores. Temos os dispositivos que os jogadores estão a usar, os GPS, contamos com ciências do desporto especializadas que podem ajudar a avaliar o nível do risco. E depois temos também, claro, esta nova tecnologia que está a chegar, a nova abordagem, a inteligência artificial e os algoritmos que devem ser integrados mais eficazmente com o que está a acontecer na prática para produzir soluções para o jogo e para o treino. Acredito que se juntarmos tudo poderemos ajudar os jogadores e os treinadores. E, claro, não esquecer a recuperação. Permita-me dizer aqui que as ciências do desporto também registaram uma enorme, enorme progressão nesta área. Se os jogadores não recuperarem devidamente, não estão preparados para o próximo treino. Se forem para o campo no dia seguinte sem estarem preparados para o treino, correm um risco elevado de lesão. Portanto, a recuperação é igualmente importante para o treino e há muitas coisas que podem ser feitas. Sei que os vossos cientistas, na Federação Portuguesa de Futebol, juntamente com a universidade e a academia aqui em Portugal, estão a trabalhar muito extensivamente e estão a fazer um trabalho muito bom também neste domínio. Portanto: monitorização, treino e recuperação, integração das tecnologias na prática, e depois comunicar esta descoberta de uma forma eficaz aos jogadores e treinadores. Penso que estes são os três pilares fundamentais para reduzir o risco de lesões.

Por falar dessa estreita relação com os treinadores, vou citar um treinador que todos conhecem, Alex Ferguson. Ele disse numa entrevista em 2013: "As ciências do desporto são, sem dúvida, a maior e mais importante mudança na minha vida. Levaram o jogo para outro nível. As ciências do desporto trouxeram uma dimensão totalmente nova ao jogo." Porque é que nem todos os treinadores compreendem e utilizam a investigação das ciências do desporto nos seus métodos de treino?
Essa é outra questão muito boa. Acredito que seja em primeiro lugar, porque eles precisam de tempo. Esta é uma nova revelação para eles. Todas as pessoas que estão a ser expostas a algo que não lhes é familiar precisam de algum tempo. Isso é o primeiro ponto. Por outro lado, acredito que nós, como cientistas do desporto, precisamos de os abordar de uma melhor forma. Portanto, e estou agora a falar diretamente para a comunidade das ciências do desporto que poderá ouvir este podcast, precisamos possivelmente de reconsiderar a forma como abordamos os treinadores. Em Portugal têm muita sorte porque são muito bons a compreender o jogo, por isso têm os fundamentos presentes. Também são muito bons em ciência. O passo seguinte é falar com os treinadores numa língua que os treinadores possam compreender. Os treinadores não são necessariamente cientistas do desporto e por isso não precisam de enormes quantidades de dados, apenas de soluções. Será bom se os treinadores compreenderem que esta é a evolução e que as ciências do desporto podem ajudá-los a melhorar o jogo. Isto é para o benefício da equipa. Por outro lado, as ciências do desporto podem recalibrar o tom e a abordagem quando comunicam com os treinadores, a fim de lhes fornecer informações mais facilmente acessíveis e compreensíveis.

Quer dizer que uma comunicação eficaz é a forma de colmatar a lacuna…
Acredito... acredito que essa é a chave: comunicação eficaz. Assim, porque vejo que ambos os lados compreendem os aspetos positivos desta colaboração mais estreita, ambos os lados, para ser honesto, precisam de mais tempo e os treinadores também precisam de mais tempo para compreender o que está a acontecer em termos de ciências do desporto. Com as fantásticas oportunidades que oferecem nos cursos de formação de treinadores da Federação Portuguesa de Futebol, as ciências do desporto e os treinadores vão aproximar-se.

Voltando à conferência que decorreu na sede da Federação Portuguesa de Futebol, gostaria de perguntar-lhe porque é importante para si participar e ser um orador convidado neste tipo de evento?
Creio que é muito importante para mim a fim de manter a comunicação com a comunidade. Eu diria que sou um académico que gosta de viver dentro da comunidade. Penso que esta conferência é uma oportunidade muito boa para comunicar. Aprendo com as pessoas daqui. Estou entusiasmado com o modelo de conhecimento de futebol, tradução e entrega que adotámos aqui. Gostaria de fazer parte deste modelo, isto também está a ajudar-me a compreender o lado dos treinadores. Se é um cientista - e isto agora é para os cientistas desportivos - e não compreende as necessidades dos treinadores e dos jogadores, como pode tornar-se num melhor cientista desportivo? Como pode desenvolver soluções para os profissionais, para as pessoas que estão no campo? Começo pelas pessoas que estão no campo; depois volto ao laboratório com os meus colegas e tentamos encontrar a melhor solução para os treinadores e os jogadores.

Trabalha frequentemente com investigadores portugueses. Qual é a sua opinião sobre os avanços nesta área?
Como lhe disse desde o início, sou privilegiado por ter a oportunidade de trabalhar com os cientistas do desporto portugueses. Penso que as ciências do desporto em Portugal estão a um nível muito elevado e isto deve-se, naturalmente, às universidades. Têm boas universidades, bons departamentos de ciências do desporto e em termos de futebol também têm pessoas que compreendem como as coisas estão a acontecer no campo. Penso que esta é a receita para a história de sucesso que construíram aqui.

 

Que conselho daria a um estudante universitário que deseja tornar-se um investigador no desporto?
Diria para confiar na sua curiosidade. Tentar prever o que poderá acontecer nos próximos três a cinco anos, de modo a estar em condições de selecionar um tópico que seja de interesse para o resto das pessoas, não apenas para si próprio, e depois fazer uma pergunta que proporcione a solução para os utilizadores finai. Ter sempre em mente que estamos a trabalhar para a comunidade. Eu diria que é fundamental, não só para os mais jovens mas para todos nós, e também mantenho isto como um dos princípios do meu trabalho e para o trabalho da minha equipa. Continuo a perguntar: "isto que estou a fazer atualmente é do interesse da comunidade? Isto vai fornecer a solução para os treinadores, o local ou os utilizadores finais?" Se for de valor, então vamos a isso. Se não tem valor e é apenas um tema pelo qual tenho curiosidade, ok, é outro projeto. Mas não é um grande projeto, por isso pode ficar pendente.


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18 de Maio 2022
Foto

FPF/André Sanano

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