Seleção Sub-20

Trinta anos de memórias frescas

Seleção Sub-20

Portugal tornou-se bicampeão mundial sub-20 em Lisboa, a 30 de junho de 1991.

Imagine 127 mil pessoas num estádio para ver a final de um grande torneio internacional. Em 2021 é difícil, não é? Mas em 1991, no Mundial sub-20 organizado em Portugal, foi isso que se passou: “Para além do título que vencemos, o sobressai mais desse torneio é a quantidade de gente que esteve no último jogo, no Estádio da Luz, com o Brasil. Neste momento, isso não existe. Os jogadores não conseguiam falar entre si no campo, tinham mesmo de gritar porque o barulho era incrível. Depois, claro que temos de falar de toda a aquela emoção no final.”

As palavras de João Vieira Pinto, capitão dessa Equipa das Quinas que se cobriu de glória e, hoje em dia, Diretor da Federação Portuguesa de Futebol, são elucidativas. Depois da vitória no Mundial sub-20 de 1989, em Riade, Portugal repetiu o feito dois anos volvidos e sempre sob a orientação técnica de Carlos Queiroz. As emoções descontrolaram-se: “Foi uma euforia enorme, as pessoas estavam todas contentes, saíram à rua. Éramos campeões do mundo no nosso país! Penso que essa euforia foi normal”, salientou o homem que levantou o troféu no final de uma partida que foi resolvida nos pontapés de penálti (4-2) depois do nulo no tempo regulamentar e no prolongamento.

Um estádio cheio de adeptos a transbordar de entusiasmo e um desempate dramático da marca dos 11 metros. Como terá sido esse momento para quem esteve em campo? “Sabíamos que, a partir daquele momento, tudo se ia decidir e estava em causa um Campeonato do Mundo. O penálti é o único momento do jogo em que a pressão está do lado de quem remata. O guarda-redes tem de usufruir dessa oportunidade e tentar tornar-se um herói. Eu estava completamente abstraído do ambiente, focado nos penáltis. Claro que a recordação mais clara que tenho é a defesa que fiz [a remate de Marquinhos] antes do golo da vitória apontado pelo Rui Costa”, recorda o atual Treinador Nacional de guarda-redes sub-21, Fernando Brassard, que ocupava a baliza da Equipa das Quinas naquela tarde quente de 30 de junho de 1991.

Portugal fez um percurso exemplar nesta prova que jogou em casa porque a Nigéria, o país-anfitrião escolhido pela FIFA, se viu envolvida num escândalo de falsificação de idades de jogadores. Na fase de grupos, a qualificação foi obtida no primeiro lugar do grupo A, com vitórias sobre os três adversários (2-0 à Rep. Irlanda, 3-0 à Argentina e 1-0 à Rep. Coreia), seguindo-se triunfos com o México (2-1 após prolongamento, nos quartos de final) e a Austrália (1-0 nas meias-finais). Este trajeto deveu-se a quê, afinal? É Rui Bento, um dos artífices da conquista, quem esclarece: “Tínhamos uma característica muito particular: podiam dizer-nos para termos cuidado com isto ou aquilo, mas depois a bola começava a rolar e limitávamo-nos a jogar o jogo pelo jogo, fosse com quem fosse. Éramos muito atrevidos. Estávamos sobretudo focados no nosso trabalho, no que éramos capazes de fazer. Não abdicávamos dos nossos princípios, era assim que gostávamos de viver o futebol”, salientou o antigo defesa/médio, que exerce agora as funções de Treinador Nacional nos escalões de formação da FPF.

Não era só em campo que o atrevimento se verificava, já que os jovens internacionais portugueses faziam questão de transportar essa atitude para fora das quatro linhas: “O nosso hino? É uma história que já vinha de trás. Tínhamos um enfermeiro, o sr. Catoja, que levava a viola para estágio e tocava. Nós acompanhávamo-lo, até porque era uma forma de passarmos o tempo – não havia internet! Lembro-me que íamos para a rua quase sempre depois do jantar, especialmente no verão, e ali estávamos todos durante horas – o sr. Catoja tocava e nós cantávamos. Esse hábito foi-se enraizando e alguém teve a ideia de fazermos o nosso próprio hino na altura do Mundial de Lisboa. E lá fomos para um estúdio gravar! Ainda falamos disso e todos nos lembramos da canção!”, frisa Emílio Peixe, também ele atualmente nos quadros da FPF como Treinador Nacional dos escalões de formação.

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Em campo, a música era outra e João Viera Pinto usava a braçadeira que lhe conferia a responsabilidade de ser o maestro de uma orquestra habitualmente muito afinada. No entanto, a surpresa surge quando lhe fizemos a pergunta habitual: afinal, como foi erguer o troféu? “Surreal! Havia tanta gente na tribuna presidencial que eu quase não chegava à taça. Acho que muita gente não me terá visto levantá-la, na verdade. As pessoas que lá estavam nem abriam caminho para que eu e o prof. Carlos Queiroz pudéssemos passar. Aliás, eu confesso que nunca vi nenhuma fotografia disso!”, adianta o antigo avançado.

Carlos Queiroz continua a ter todo o respeito dos homens que fizeram parte do grupo de trabalho que há 30 anos escreveu uma das páginas de ouro do futebol português. Durante esta reportagem, as quatro personalidades ouvidas pelo fpf.pt salientaram o papel do técnico não apenas nesses triunfos, mas também no desenvolvimento de todo o edifício do desporto-rei em Portugal. Rui Bento resumiu bem essa admiração: “Carlos Queiroz marcou uma mudança de mentalidade a todos os níveis, a tudo o que gira em torno do futebol. Ele ia muito para além do jogo em si. Nós sabíamos que evoluíamos com o que ele nos dizia. Lembro-me que na primeira vez que fui à seleção ele nos disse que estávamos talhados para sermos campeões da europa. Bom, para quem tinha vindo do Silves há uns meses… O que é facto é que nessa época (1987/88) fomos à final do Europeu sub-16 com a Espanha, que perdemos nos penáltis [4-2, após 0-0 no tempo regulamentar e no prolongamento]. Depois fomos à final sub-18 [em 1989/90] frente à antiga União Soviética e voltámos a perder nos penáltis [4-2, após 0-0 no tempo regulamentar e no prolongamento]. E na época seguinte chegámos à final do Mundial sub-20, que ganhámos também nos penáltis. Em 1994 ainda estivemos na final do Europeu sub-21, que perdemos com a Itália [0-1]. Foi um percurso incrível.”

Ganhar o Mundial sub-20 em Portugal foi algo único, como explica Fernando Brassard, um dos dois jogadores que também tinham estado em Riade (o outro era João Vieira Pinto) : “Tive a felicidade de estar nesses dois grandes momentos – em 1989 e 1991. Da primeira vez estávamos na Arábia Saudita, a muitos quilómetros de casa. Naturalmente que não sentimos durante a competição o impacto que tivemos em Portugal. Na Ásia foi um momento incrível – a primeira vez que nos tornámos campeões do mundo -, mas depois representar a seleção no nosso país, com toda aquela envolvência, foi impressionante. Foi o primeiro grande momento na relação entre o público português e uma seleção nacional. Um acontecimento extraordinário.”

O sucesso coletivo potenciou o individual: Emílio Peixe venceu a Bola de Ouro, o troféu atribuído ao melhor jogador do torneio. No entanto, o antigo médio admite que não teve logo a noção que tinha entrado para uma lista restrita de craques: “Eu nem sabia que atribuíam um prémio ao melhor jogador… A entrega desse troféu só foi feita já depois dos festejos no campo, quando estávamos a jantar num hotel. Ora, nesse momento estávamos desidratados e mal alimentados depois do esforço e de tantas emoções. Eu tinha muita sede e vi que havia vinho branco ou verde – não estou certo - na mesa, em copos muito pequeninos. Apesar de pouco ou nada ter ingerido álcool na minha vida até então, decidi fazê-lo naquele momento. Aquilo deu-me a volta à cabeça… Recordo-me de o prof. Nelo Vingada me ter dito alguma coisa e de os meus colegas estarem a bater palmas, em pé, incentivando-me a ir ao palco receber o prémio. Eu não sabia muito bem o que aquilo significava. Só quando tudo terminou e telefonei aos meus pais é que percebi, pela emoção deles, que realmente tinha conseguido algo verdadeiramente importante, um feito inédito.”

As histórias de Lisboa-1991 sobreviverão sempre à erosão tempo.

Eis os números e os nomes dos Campeões do Mundo:

1 - Brassard
2 - Gil
3 - Figo
4 - Peixe
5 - Rui Costa
6 - Jorge Costa
7 - Abel Xavier
8 - Paulo Torres
9 - Luís Miguel
10 - Nélson
11 - Rui Bento
12 - Tó Ferreira
13 - Capucho
14 - João Vieira Pinto
15 - Tulipa
16 - Cau
17 - João Oliveira Pinto
18 - Toní


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