Podcast: Nadine Kessler, diretora da UEFA para o futebol feminino

Portugal Football School

Ex-internacional alemã elogia estudo do Portugal Football Observatory e deixa várias ideias sobre o desenvolvimento do futebol feminino.

Nadine Kessler, 32 anos, já foi melhor jogadora do Mundo, em 2014, e campeã da Europa de seleções, um ano antes. Atualmente é responsável máxima da UEFA pelo futebol feminino. Tomou conhecimento do estudo de estreia do Portugal Football Observatory - "Como angariar e reter mais no futebol feminino" -, leu-o e deixa-lhe largos elogios.

Nesta conversa, mantida em inglês e que constitui o quinto episódio do podcast "Ciência e Futebol", Nadine Kessler aborda as dificuldades colocadas pela pandemia de COVID-19, avalia o crescimento do futebol feminino em Portugal e na Europa e antevê um "fantástico e inesquecível" Europeu de 2022, em Inglaterra.

A ex-internacional alemã recorda passagens pela Algarve Cup e deixa uma mensagem às jogadoras que vão disputar, em abril, o play off de apuramento para o Campeonato da Europa.

Pode escutar a entrevista aqui ou nas principais plataformas de podcast disponíveis na web.

VERSÃO EM PORTUGUÊS:

Quais são, no contexto da pandemia de COVID-19, os maiores desafios da UEFA na promoção do futebol feminino?
Os tempos atuais não nos têm tornado a vida fácil, muito pelo contrário. O mais importante é aumentar o investimento. Claramente o maior problema do futebol feminino tem sido a falta de investimento financeiro, associado a barreiras sociais e culturais. Temos de encarar os desafios e manter o futebol feminino no topo da agenda, prosseguir e aumentar os investimentos dos últimos anos e continuar a dizer ao Mundo que este desporto é para mulheres.

Quais são as estratégias da UEFA para ajudar, nomeadamente, o futebol feminino de formação, que teve os respetivos Campeonatos da Europa adiados?
Estamos particularmente preocupados com as nossas jovens. Não é fácil para jovens jogadoras de topo enfrentarem uma paragem tão grande, temos a noção clara de que não organizarmos as nossas principais provas não foi favorável para elas. Contudo, estamos otimistas para o futuro próximo. Vamos introduzir um novo formato na próxima época, que esperamos possa ajudar a compensar os jogos perdidos e dar oportunidades de competição às jogadoras. É importante passar a ideia de que trabalhamos com grande proximidade em relação às nossas federações na tentativa de ajudar em tudo o que pudermos, seja a nível individual seja através de financiamentos que este ano, excecionalmente, poderão ser utilizados para medidas de combate aos efeitos da COVID.

Sente que o futebol feminino é percecionado como algo que pode ser vantajoso para potenciais investidores? Se não, como pode a UEFA mudar isso?
As pessoas ainda não têm noção de quão grande é o potencial comercial. Para mim, e baseada na experiência atual na UEFA, é inegável que no futuro as grandes marcas quererão estar associadas ao desporto feminino e ao futebol em particular. É uma consequência lógica da evolução social e vemos isso acontecer, atualmente, também no nosso caso. Há poucos anos passámos a vender os direitos de futebol feminino separados dos do masculino e posso assegurar que apesar da COVID-19 a venda desses direitos está a decorrer bastante bem, o que prova, uma vez mais, haver um forte interesse de clubes e investidores em financiarem o futebol feminino a longo prazo. Veem no futebol feminino grandes oportunidades de alargarem as suas audiências, alcançar novos fãs e associados. No desporto, a audiência feminina ainda está claramente por captar.

O Mundial 2019 terá ajudado a mudar a perceção em relação ao futebol feminino?
Completamente. O Mundial decorreu de forma fantástica e pela primeira vez podemos dizer que todos os olhares estiveram virados para esta prova. A qualidade do jogo foi uma boa publicidade, também. Este Mundial provou que se tiverem oportunidade de consumir este desporto, as pessoas fazem-no. Precisamos de continuar a ter isto em mente e encarar os próximos eventos com espírito otimista.

Já teve oportunidade de conhecer o estudo do Portugal Football Observatory sobre angariação e retenção de praticantes no futebol feminino. Que comentários lhe merece?Fiquei muito impressionada com o estudo pioneiro que estão a fazer. Nunca vi nada parecido na Europa. Investir na recolha de dados sobre futebol feminino, fornecer evidências e estatísticas que contribuam para melhores decisões nessa área é algo que faltava ao nosso futebol. O Portugal Football Observatory está de parabéns por isso. O foco no aspeto de trazer meninas para o jogo mas também na retenção delas é fundamental - são os dois fatores pelos quais mais batalhamos. Fantástico trabalho.

Quer partilhar outras boas práticas que tenha visto nos países da UEFA?
Há ótimos exemplos em diferentes áreas. A nível de clubes precisamos de tirar o chapéu ao Olympique Lyonnais pelo alto profissionalismo em tantos anos, mas há outros clubes a trabalhar muito bem no futebol feminino, a fazer bom recrutamento e a produzir muito talento por toda a Europa. Mas podemos também falar de Ligas e ver que elas estão a crescer por toda a parte. Inglaterra, por exemplo, permitiu um grande salto em termos de oportunidades comerciais. Há muita coisa a acontecer em diferentes áreas, com estratégias diversas. Quase todas as federações europeias têm um plano estratégico para o futebol feminino, como a vossa própria federação tem há anos e está a desenvolver muito bem. Há ótimos exemplos.

Como vê a evolução do futebol feminino português ao longo dos últimos anos?
Penso que tiveram um excelente desenvolvimento. Têm treinadores de alta qualidade e nos últimos anos vê-se como as vossas equipas progrediram, desde as camadas jovens até à Seleção AA. Qualificaram-se para o Euro 2017 e agora estão no play off para o próximo, contra a Rússia. A seleção também tem subido no ranking... Mais praticantes, normalmente, implicam maior sucesso desportivo. Estou muito contente pela forma como o futebol feminino português está a florescer.

Jogou pela Alemanha em mais que uma edição da Algarve Cup. Que memórias guarda dessas experiências?
Sempre gostei muito da Algarve Cup. É um torneio muito competitivo. São jogos que significam muito para nós e fiquei muito feliz por ganhar a prova uma vez e marcar lá alguns golos. São boas memórias.

A última vez que a vi estava a segurar o troféu...
Em 2014, contra o Japão, não foi?

Dois anos depois dessa vitória assumiu a responsabilidade pelo futebol feminino na UEFA. Foi difícil a transição de jogadora para executiva?
Honestamente sim, foi difícil. Qualquer jogador que dê o passo para o nível diretivo tem de perceber que há muito trabalho à sua espera e que tem de trabalhar muito para ter uma transição suave. Fiz o melhor que podia, dei o que tinha e quis estar certa de que tinha para dar à minha organização, a UEFA, algo mais do que ser apenas uma antiga jogadora. Estou imensamente feliz pela forma como as coisas decorreram, estou grata, adoro o meu trabalho, mas não há dúvida de que uma ex-jogadora tem de se esforçar muito para apanhar o ritmo do lado administrativo do futebol.

Que expectativas tem para a fase final do Euro 2022, em Inglaterra?
Vai ser verdadeiramente excecional. Terá standards completamente diferentes do que recordamos do Euro 2017, que já foi um excelente Euro. Inglaterra vai ultrapassar todas as expectativas. Já imaginou a abertura de um Euro em Old Trafford e a final em Wembley, com dias de jogo em exclusivo para permitir a maior visibilidade possível à prova? Vamos ter infraestruturas e serviços de grande qualidade, num país que tem feito bastante nos últimos tempos pelo desenvolvimento do futebol feminino. Tudo isto vai fazer do torneio um grande sucesso, um momento fantástico e inesquecível para todas as jogadoras e treinadores envolvidos.

O facto de ser disputado no País onde nasceu o futebol torna-o mais especial?
O futebol é especial em Portugal, na Alemanha, em Itália, e naturalmente também em Inglaterra. Porque é que Inglaterra é particularmente especial nesta altura? Como disse antes, o futebol feminino já tem lá uma enorme visibilidade, decorrente do grande trabalho que os seus responsáveis têm feito, incluindo a nível interno. Posso imaginar que um Euro com quase o dobro dos bilhetes disponíveis em relação ao dos Países Baixos vai fazer deste campeonato um sucesso ainda maior.

Que mensagem deixaria para as internacionais portuguesas que vão em breve tentar qualificar-se para o segundo Europeu da sua história?Se voltar a colocar-me nos meus tempos de atleta, posso dizer-vos que não vão querer perder essa oportunidade. Se fosse treinadora delas, se a UEFA fosse treinadora da Rússia ou de qualquer outra das equipas envolvidas no play off, dir-lhes-ia que se trata de uma oportunidade única, que não surge muitas vezes na vida, portanto façam o que puderem para não a perder. É mesmo especial.


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2 de Abril 2021
Foto

Richard Juilliart/UEFA

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