O primeiro dia em que fomos superiores aos ingleses

Seleção A

Há 65 anos, a Seleção Nacional cometeu uma proeza que o selecionador gravou em crónica para a posteridade

“Foi uma equipa digna! A Seleção portuguesa não ganhou por acaso, nem por qualquer favor, nem porque tivesse adotado uma política ruim de truques […] Vencemos porque no conjunto de todos os fatores, qualidades e defeitos fomos superiores aos ingleses”.

Assim rezava a crónica publicada no Diário de Lisboa no dia seguinte à vitória sobre a Inglaterra num jogo de preparação realizado no Estádio das Antas. E aquelas linhas foram escritas pelo punho do próprio selecionador de então, Tavares da Silva, também jornalista e, aliás, um dos fundadores de A Bola.

Para Tavares da Silva, o notável triunfo sobre a Inglaterra teve um significado ainda mais especial, uma vez que era ele o selecionador quando três anos antes a Invencível Armada liderada pelo mago Stanley Matthews humilhou os portugueses no Jamor com uma goleada por 10-0.

Essa derrota estava atravessada na garganta. Outras duas se tinham juntado em anos seguintes: 2-5 no Jamor e 3-5 em Liverpool. A Inglaterra era um papão que nos assombrava e… continuou a assombrar mesmo depois do triunfo de 1955. Na verdade, só voltámos a vencer os ingleses num jogo em Guadalajara a contar para o Mundial do México’86. Tinham, pois, passado 31 anos e dez jogos, metade deles derrotas.

No duelo das Antas, os portugueses “atacaram e defenderam como gigantes”, conforme se lê na crónica de Tavares da Silva. Uma definição que ganha maior expressão pelo facto de a Seleção Nacional ter começado o jogo a perder devido a um golo de Bentley aos 19m. Cinco minutos depois, José Águas empatou, ficando a maior explosão reservada para os 79 minutos com um golo de Matateu. Águas bisou e fechou a conta já perto do fim.

Pelo meio, Tavares da Silva recorda que Travassos, que classificou como o melhor em campo, “teve o remate de toda a partida, extraordinário, colossal, parado milagrosamente pelo poste”.

A vitória ficou, porém, garantida e numa legenda que acompanha a foto da primeira página do suplemento desportivo do Diário de Lisboa, conta-se como foram emocionantes os momentos então vividos: “no final da partida, apoderou-se da multidão grande entusiasmo. Os jogadores foram sacados em ombros. Matateu, ídolo do grande público, segurando uma bola na mão é transportado por entre a intensa euforia de milhares de adeptos, vendo-se bandeiras nacionais agitadas festivamente na hora do triunfo”.

Entre as notas de reportagem do jogo assinalam-se declarações de Águas (“foi uma vitória merecida do primeiro ao último minuto”), de Matateu (“estou satisfeito pelo meu batismo como marcador de golos na Seleção”) e de Pedroto (“assim dá gosto jogar! Como todos a sacrificarem-se de forma a não ser possível sair diminuído”), assim como o desabafo da mulher de Travassos que disse virada para a bancada de imprensa: “só deveriam jogar-se no Porto os jogos internacionais” e a fotografia de Pedroto abraçado a Tavares da Silva, assinalando o DL que “foram numerosas as pessoas que se acercaram do nosso camarada para o felicitar e abraçar”.

Rematou Tavares da Silva a sua crónica: “Não nos embriaguemos com o êxito e não se julgue que esta simples vitória, certamente muito valiosa e brilhante, até de repercussão internacional (…) é o suficiente para nos elevar a um plano muito alto. Embora ganhando, em comparação com os jogadores ingleses, a técnica dos nossos praticantes, com uma ou outra exceção, surge como de qualidade inferior. De aí ter-se a suprir a deficiência com o entusiasmo e o coração”.

Apesar do aviso, a verdade é que este jogo não alterou muito o curso da nossa história com os ingleses (e outras potências) mas foi indiscutivelmente um marco inolvidável que aqui se assinala.

Ficha do jogo
Estádio das Antas, 22 de maio 1955.

Árbitro: Giorgio Bernardi (Itália).

PORTUGAL: Costa Pereira; Caldeira e Carvalho; Pedroto, Passos e Juca; José Dimas, Matateu, José Águas, Travaços e José Pedro (Martins).

INGLATERRA: Williams; Sillet e Byrne; Dickinson, Wright e Edwards; Matthews, Bentley, Lofthouse (Quixall), Wilshaw e Blunstone.

Golos: 0-1 Bentley (19m); 1-1 José Águas (24m); 2-1 Matateu (79m); 3-1 José Águas (83m).


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